Sobre o movimento feminista e o que esqueceram de falar


Pensar sobre o feminismo hoje, pode ser algo  mais complexo do que se imagina. Quando nos remetemos aos primórdios desse movimento, onde o pensamento das militantes da época era a exigência dos mesmos direitos dados aos homens, mesmas oportunidades, formas de valorização do trabalho, novos olhares de uma sociedade em transformação, não imaginávamos, pobres seres normatizados, que as regras sociais podem e muitas vezes devem sem quebradas, para o bem da humanidade.

Papéis sociais sendo redefinidos, a mulher caminhou ao longo da história, a duras penas, em direção ao que considerava imprescindível à sua afirmação social. Vislumbrando um futuro melhor, atravessou preconceitos, avançou por obstáculos inimagináveis em tempos de outrora. A despeito de brigas domésticas, salários mais baixos, assédios morais, triplas jornadas, olhares desconfiados, o mundo feminino aos poucos foi mostrando a que veio, disposto a não se intimidar com algumas representações sociais, mas posicionando firmemente sua identidade e valoração enquanto mulher, pensante, digna e totalmente capaz. 

Em sua subjetividade, colocando-se inteira, contribuindo para transformações  sociais através de pensamentos, ideias, movimentos e participações políticas, sem negar sua sensibilidade e acrescentando delicadeza e esperança de um mundo mais justo e democrático.

A luta não suprimiu alguns equívocos, pois tudo o que é pensado pode ser melhorado. A ideia feminista não foi perfeita desde o início. Queimar sutiãs pode ter sido necessário numa determinada época, mas hoje não faz mais sentido. Da mesma forma, as reivindicações do movimento feminista da segunda onda, parecem hoje em dia ultrapassados, pois falavam dos direitos de mulheres brancas de classe média.

Então, o que esta herança de luta feminista pode nos oferecer de forma lúcida, íntegra, atual e transformadora ¿

Em vista tantas transformações, temos algo muito mais profundo, mais escandaloso e mais urgente. A luta da humanidade por uma ética que alcance a todos. Não percebo mais uma necessidade localizada, mas generalizada. Não posso mais falar apenas de equivalência salarial, enquanto pessoas são escravizadas, não posso mais falar apenas de pílulas anticoncepcionais, enquanto famílias são desconsideradas por não seguirem um padrão regulamentador. Falar de direitos iguais, entre homens e mulheres, não faz o menor sentido enquanto isto for um debate da classe média e a desigualdade entre negros e brancos continua sendo uma vergonha histórica.

Perceber o outro como uma parte necessária de nós mesmos, talvez não de forma imediata, mas de mantermos nossa humanidade, é urgente. Não concebo outra forma de vida se não a solidária ao sofrimento, a que dialoga com as diferenças e que partilha o bem comum.

Temos muitas bandeiras a levantar, mas em tempos de dores  , é preciso mudar os rumos da embarcação corajosamente, enfrentar os ventos da indiferença, transpor águas odiosas e avistar uma terra firme, onde a justiça alcance a todos.

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